Algumas notas e documentos sobre o vírus que provoca a COVID-19
No final de 2019, um conjunto de casos de pneumonia em Wuhan, China, foi causado por um novo beta coronavírus. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a doença causada por este novo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, é agora oficialmente chamada COVID-19. Os dados recolhidos e analisados de pacientes, utilizando PCR em tempo real e sequenciação de última geração, identificaram-no como um vírus da família de Coronaviridiae, género, Coronavírus. A sua ocorrência tem levantado questões sobre a relação genética e a semelhança com o SARS-CoV de 2003, considerando que ambos ocorreram na China e em áreas de proximidade. O SARS-CoV foi reportado pela primeira vez na província de Guangdong, que faz fronteira com Hong Kong, e 2019-nCoV em Wahun, uma outra cidade da China.
Os coronavírus pertencem à família Coronaviridae e, de modo geral, são vírus formados por invólucros de RNA de cadeia única. São redondos e às vezes pleiomórficos (capazes de mudar de forma) com um diâmetro de 80-120nm (um nm é um milionésimo de milímetro).
O genoma do coronavírus é de aproximadamente 31 kb (31000 pares de bases), tornando estes vírus os maiores vírus de RNA conhecidos.
São vírus respiratórios classificados pela família: Coronaviridae e Coronavirus como o nome do género.
Existem agora 7 tipos de coronavírus humanos que foram identificados pelo Centro de Controlo de Doenças (CDC), que inclui:
Diagrama ilustrativo das cadeias de transmissão dos coronavirus de morcegos e roedores (hospedeiros reservatórios, representados a cor-de-laranja) para hospedeiros suscetíveis (representados a preto), passando ou não, por espécies intermediárias (representadas a cinzento). Os círculos tracejados agrupam coronavírus de diferentes espécies animais com relações genéticas próximas. (Adaptado do artigo “Os coronavírus dos animais e do Homem: das infeções assintomáticas às síndromes respiratórias agudas”, Veterinária Atual, 7 Abril 2020)
O coronavírus usa a sua espícula como uma chave de duas partes.
(1) A primeira parte da chave liga-se ao recetor ACE2 da célula humana, mas essa ligação não é suficiente para obter invasão.
(2) A segunda parte da chave é responsável pela fusão da membrana do vírus e da célula. Os vírus precisam cortar sua proteína da espícula para ativá-la e iniciar o ataque. O SARS de 2002, irmão da atual, aproveitou duas tesouras presentes apenas em algumas células, as enzimas TMPRSS2 e catepsinas.
Mas o SARS-CoV-2 também usa uma terceira tesoura: a furina.
(3) O vírus liberta seu genoma na célula e começa a fazer cópias de si mesmo utilizando os mecanismos celulares.
(4) A mutação com 12 núcleotidos extra identificada no vírus (Coutard et al, 2020), cria um ponto de corte na proteína da espícula por outra tesoura, a furina, uma enzima presente em quase todas as células humanas, o que explica sua alta transmissibilidade e virulência. A furina faz um primeiro corte na espícula dos novos vírus, que já deixam a célula humana pré-ativados para uma nova invasão.
(5) Este primeiro corte permite que a espícula inicie a fusão da célula infetada com outra célula saudável, permitindo que o vírus passe de uma para o outra sem se expor a anticorpos externos.
Anticorpos são proteínas fabricadas por um tipo de Glóbulos Brancos do nosso organismo - os linfócitos B - como resposta imunitária à entrada de um organismo invasor.
Depois de lançados no plasma, ligam a sua região específica (variável) aos antigénios - também específicos - existentes na superfície do invasor. Esta ligação impede a actuação e marca o invasor, facilitando a ação do restante sistema de defesas do nosso organismo.
A administração de um soro com anticorpos retirados do plasma de um indíviduo já tratado da COVID-19, é uma opção temporária e reduzida na situação de pandemia. O objetivo é dar tempo para que seja o infetado a produzir os seus próprios anticorpos, após o reconhecimento do vírus. Esta capacidade fica na memória imunitária, aumentado a rapidez da resposta a uma nova infeção.
Surgiu recentemente uma notícia de que Israel tinha conseguido obter a produção de anticorpos contra o SARS-CoV-2 em laboratório. Convém antes de mais esclarecer que a inoculação destes anticorpos monoclonais funciona como um tratamento, mas não confere imunidade definitiva. Não deve por isso ser confundida com uma vacina.
A obtenção de anticorpos monoclonais em laboratório resulta da fusão entre células imunitárias produtoras de anticorpos (linfócitos B - plasmócitos) retiradas dum organismo infetado, com células de mieloma (cancro) que possuem a capacidade de se multiplicarem indefinidamente em culturas laboratoriais.
As células resultantes da fusão - os hibridomas - são depois isoladas e é selecionada uma dessas células que seja capaz de produzir os anticorpos desejados para combater uma determinada infeção, no caso os anticorpos anti-SARS-CoV-2.
Após a clonagem desse hibridoma único (daí o nome monoclonal), a cultura é mantida "in vitro" para que libertem os anticorpos no meio de cultura. Esses são os anticorpos a transferir para o paciente e que lhe darão uma imunidade temporária.
A aquisição de imunidade faz-se através de células do nosso sistema imunitário específico, que guardam a memória da resposta do sistema de defesa do nosso organismo a um agente patogénico estranho. Essa memória adquire-se no primeiro contacto com o invasor, fica "arquivada" nos linfócitos (glóbulos brancos) B e T de memória e possibilita uma rápida resposta imunitária nos contactos posteriores.
O objetivo das vacinas é provocarem a aquisição de imunidade de forma artificial, através da inoculação controlada do agente patogénico inativado ou dos seus componentes.
Veja este artigo da Nature, cheio de gráficos, que explicam o processo natural de aquisição de imunidade, e as oito maneiras que estão a ser tentadas para aquisição artificial de imunidade ao SARS-CoV-2 através de vacinação. (artigo em inglês)
Entrada da proteína viral no núcleo da célula hospedeira
A ivermectina é uma droga aprovada pela FDA para infeções parasitárias. A sua atividade em infeções virais em humanos tem sido testada in vitro na Austrália.
O PCR tem sido a técnica utilizada para detetar a presença do DNA do SARS-CoV-2 em amostras recolhidas nos pacientes. A sequência do DNA viral foi identificada por investigadores chinenses e partilhada com toda a comunidade científica. É esta sequência que o PCR amplifica de modo a ser detetada a presença do vírus.
O PCR (Polymerase Chain Reaction) é uma técnica usada para fazer várias cópias de um segmento de DNA de interesse fora de uma célula viva. Gera uma grande quantidade de cópias a partir de uma pequena inicial simples.
Nesta reação está envolvida a DNA Polimerase, a enzima responsável por fazer cópias do DNA. A técnica foi desenvolvida em 1993 por Kary Mullis e mereceu a atribuição dum Nobel.
Tem aqui uma animação com explicação completa do PCR utilizado no SARS-CoV-2.
Os sintomas mais frequentes associados à infeção pelo COVID-19 são:
Também pode surgir dor de garganta, corrimento nasal, dores de cabeça e/ou musculares e cansaço. Em casos mais graves, pode levar a pneumonia grave com insuficiência respiratória aguda, falência renal e de outros órgãos, e eventual morte.
O período de contágio (tempo decorrido entre a exposição ao vírus e o aparecimento de sintomas) é atualmente considerado de 14 dias. A transmissão por pessoas assintomáticas (sem sintomas) ainda está a ser investigada. (fonte:DGS)
O que nos dizem e para que servem.
Existem essencialmente dois tipos de teste: os testes de rastreio que identificam a presença do vírus SARS-CoV-2 num indivíduo infetado, com ou sem sintomas, e os testes serológicos quantitativos que identificam a presença no sangue de anticorpos específicos para o SARS-CoV-2 (IgM e IgG).
Os primeiros possibilitam o confinamento e tratamento de infetados, evitando a propagação da doença.O PCR mais demorado e os de antigénios mais rápidos. Os segundos permitem aferir o grau de exposição ao novo coronavírus e uma possível aquisição de imunidade. Os anticorpos IgM e IgG têm ação conjunta na proteção imediata e a longo prazo, respetivamente, contra infecções. Veja neste vídeo uma explicação completa sobre estes testes serológicos de anticorpos.
(* tendo em conta o gráfico apresentado pelo Laboratório Germano de Sousa)
Em casos graves, o SARS-CoV-2 estabelece-se nos pulmões, onde pode causar danos profundos. Mas o vírus, ou a resposta do corpo a ele, pode ferir muitos outros órgãos. Os cientistas começaram agora a provar a amplitude e a natureza desse dano.
(Wadman, M. et al , 2020)
Cheng, V. C., Lau, S. K., Woo, P. C.,and Yuen, K. Y. (2007). Severe acute respiratory syndrome coronavirus as an agent of emerging and reemerging infection. Clinical microbiology reviews, 20(4), 660–694.
Termina com uma frase profética sobre a situação pandémica atual.
Na Zhu, et al. (2020). A Novel Coronavirus from Patients with Pneumonia in China, 2019. The New England Journal of Medicine.NEJMoa2001017
Descreve a metodologia utilizada no isolamento e identificação inicial do vírus.
Jiang, S. et al (2012). Receptor-binding domains of spike proteins of emerging or re-emerging viruses as targets for development of antiviral vaccines, Emerging Microbes and Infections, 1:1, 1-8, emi.2012.1
Um artigo que aponta as linhas para o desenvolvimento de vacinas.
Caly, L. et al (2020). The FDA-approved Drug Ivermectin inhibits the replication of SARS-CoV-2 in vitro. Antiviral Research. (in press)
Artigo sobre a ação da ivermectina sobre coronavítus e os resultados dos testes in vitro.
Zablon, F.M. and Aryal,S. (2020). The Novel Coronavirus, COVID-19: An Overview. The Biology Notes.
Um artigo com informação de síntese
Wadman, M. et al (2020). A rampage through the body. Science, Vol. 368, Issue 6489, pp. 356-360
Artigo sobre o impacto do vírus nos diversos órgãos do corpo humano.
Ansede, M. et al (2020). ccu cgg cgg gca Las doce letras que cambiaron el mundo. El País, 11/05/2020
Artigo do "El País" que apresenta a mutação identificada e o efeito da furina
Callaway, E. (2020). The race for coronavirus vaccines: a graphical guide. Nature, 580, 576-577
Oito maneiras pelas quais os cientistas esperam fornecer imunidade ao SARS-CoV-2.
Coutard, B. et al (2020). The spike glycoprotein of the new coronavirus 2019-nCoV contains a furin-like cleavage site absent in CoV of the same clade. Antiviral Research, 176:104742
Identifica a sequência genética dum local peculiar de clivagem semelhante à furina no genoma da espícula do vírus
Known, D. (2020). The Promise of mRNA Vaccines. The Scientist, 25/11/2020
Explica a evolução das vacinas de DNA e RNA
Duarte, M. et al (2020). Coronavírus dos animais e do Homem. INIAV - Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P., Dez./2020
O livro digital com toda a explicação acessível sobre coronavírus e a COVID-19. Essencial!!!
INSA Diversidade genética do novo coronavírus SARS-CoV-2 (COVID-19) em Portugal. Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (05/02/2021)
Relatório de situação com 3261 sequências do genoma de amostras colhidas em 235 concelhos